Sinal Amarelo
Às
vezes me dá aquela vontade, mergulhada na angústia, de virar as costas. É muito
simples, é covarde, é fraqueza por demais da conta, não é amigo? Não é não. É
preciso o dobro de coragem pra dizer não pra aqueles livros de autoajuda de
leitura desesperadora. Na real, ninguém precisa encarar tudo de frente,
mergulhar de peito aberto, chorar de cabeça erguida, maltratar o coração, só
pra dizer depois, com a alma aos pedaços: Eu não desisti. Ah, não, por favor! Fuja, desista, se esconda em baixo da cama. Você pode. Não vivemos no jogo do “vamos ver quem sofre
mais”. Chega dessa história de que sofrimento é remissão, de que sacrifício,
necessariamente, vem seguido de recompensa. Não vem não, hein? Nem sempre. Chega
dessa história de que Deus ama os oprimidos, os fracos, os necessitados. Deixa essa coisa de chorar na cruz pra Jesus,
meu bem. Coisa mais retrô! Chega dessa história de que “eu sofri muito pra
chegar aqui”. A que custo? Qual é o preço do teu sonho? Dez anos de sacrifício
pra conseguir um emprego público? E agora? Tá feliz? Foi feliz na caminhada? Ninguém nasce pra catar pedras no caminho; a gente nasce é pra deitar na grama!
Se achar uma pedra, meu amor, colecione, mas não se jogue no pedregulho, por
favor! Talvez, por isso, nunca tive paciência pra assistir lutas corporais. Tem
coisa mais sem sentido? Fortaleza não é resistência à dor. Fortaleza é
inteligência, é não adotar o sonho dos outros, é a sensatez de tentar quando
sentir vontade, desistir quando sentir vontade, mudar de sonho, mudar de
horizonte, ignorar o óbvio, virar as costas e entrar em outra porta, mesmo que
escura, mesmo que estranha, sempre que sentir vontade. O problema não é seguir
em frente, até porque se demos as costas pra algo, um mundo novo nos surge e ai
será um novo olhar e uma nova frente. Aproveite as curvas, as ladeiras, as
subidas, os retornos. Linha reta é suicídio, é assassinato do espírito, e, além
do mais, não tem a mínima graça.
E parem de perguntar pras crianças o que elas
querem ser quando crescerem. As crianças tem vontades pra hoje, inventam hoje,
desistem hoje, começam e terminam hoje. É preciso educá-las, sim. O mundo pede.
Exige. Mas, por favor, não contem a elas que estão sendo treinadas pro futuro,
que ela vai ter que ser alguém, que existe uma guerra, que existe um mercado,
que ela precisa vencer. Ela vai descobrir tudo isso sozinha. Todo mundo vai ser
alguém, um dia. Todo mundo já nasce e se constrói alguém e experimenta muitas
faces desse alguém durante a vida. Não treine ninguém pra guerra e pare de
achar que está dentro de uma, na luta eterna de meu deus. Tudo é mais simples
do que parece ser.
Saiba: ninguém nasceu pra ser; não tem que ser; não “é o
jeito”; não “é assim mesmo a vida”. Tudo são possibilidades. As portas de
entrada são as mesmas de saída. É só mandar um beijo e virar as costas. Eu sei
que isso tá parecendo mensagem de autoajuda, mas não é, tá? Se quiser mergulhar
no pedregulho e agradecer aos céus pela oportunidade de quebrar pedras, fique
bem à vontade. Foi bom conhecê-lo, amigo. Mas, se é isso que você quer, não vou
poder ficar, tá? Já virei as costas pras pedrinhas de Drummond há muito tempo. Um
beijo e um versejo.
Fortaleza, 16 de maio de 2013.
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