Fotografia: André Maia - Porto Alegre - RS, julho de 2010.
No balanço...
Debaixo
da mangueira, à espera da felicidade desenhada em pneu e corda, papai constrói um balanço pra mim. Se
cair uma manga na tua cabeça? Eu como, ué... A corda grande e o balanço baixo
faziam um voo nas alturas, dava pra colher manga a cada empurrão. Impulso,
impulso, impulso até a hora de saltar. O salto não tinha graça nenhuma e até doía,
sabe? O bom mesmo eram os instantes de tensão e medo. É bom sentir medo. Sempre
foi. A consciência de que o que tava fazendo não fazia sentido algum, ia
resultar numa possível queda, e uma linda tatuagem nos joelhos e uma dorzinha no
tornozelo, quem sabe, não me impediam de ter os meus deliciosos instantes de
medo pré-salto. Ventava forte dentro da
barriga. Os cabelos, se molhados de tinta azul, fariam uma linda parábola no
ar. Eu sabia que era pra isso, exatamente pra isso, que foram feitos os pneus. Pneus
nunca combinavam com carros, na cabeça daquela menina tonta, que ficava sempre
tonta ao viajar quinze minutos de carro. É...os pneus foram feitos pra fazer
balanço, ventania na barriga.
A agonia de viajar de carro estava em saber pra
onde ia. A certeza do destino e a certeza do tempo de chegada me faziam
esquecer o caminho e ficar enjoada de tantas certezas. No balanço não...no
balanço, a cada impulso se podia mudar o rumo, viajar pra outros sóis, e o caminho era delicioso, sem hora pra
chegar. E se eu nem quisesse chegar, era só saltar e com uma dorzinha de leve,
chegar ao chão com a certeza de que eu queria mesmo era viajar, não era chegar
a lugar nenhum. Se via um pneu na rua, ficava imaginando um balanço bêbado
embaixo de uma mangueira qualquer. Um carro eram quatro balanços, quatro
sorrisos, quatro medos, quatro saltos, quatro viagens a lugar nenhum. Não tinha
acúmulo de água no pneu, nem mosquito dodói, nem nada...tinha felicidade
desenhada em pneu e corda.
De vez em quando, o pneu estava ao chão e a corda
havia sumido. Ela acabava voltando e abraçando mais uma vez a árvore. Alguém,
supostamente, teria precisado da corda. Isso eu nunca entendia. O que poderia
ser mais importante do que o balanço na árvore? Nesses dias, eu era forçada a
procurar outros medos. Subir na árvore, quem sabe, pra procurar a manga mais
cheirosa. Isso, era esse o cheiro do balanço....cheiro de manga rosa. Embaixo
da mangueira também podia apenas sentar no chão, desenhar na areia, fugir das
formigas. E, nessa fuga, eu percebia que além de cheiro, o balanço também tinha
um som, era o barulhinho de folhas secas no chão, amontoadas pra isso, pra
fazer barulhos a cada impulso dos pezinhos no chão. “Menina, tu já tá grande
demais pra esse balanço. Essa menina não cresce mesmo”. “Tô nada! A mangueira é
mais velha do que eu e tá ai, no maior balanço estático comigo. Nunca fui de
riscar troncos de árvores. Se acaso forem visitar a minha mangueira, não perceberão que passei
por lá, a não ser que façam bastante silêncio e possam ouvir a revolução que
era o barulho do balanço, uma verdadeira festa, em folhas secas, em vento
cortado por um grande impulso no ar e um grito de mãe, quando no flagra de um
voo audacioso, reclamava: “Menina, pelo amor de deus, cuidado pra não cair e
bater a cabeça”. De todas as quedas, nunca bati a cabeça. Não que eu lembre.
Aliás, já disse que não me importava o salto, importava mesmo o caminho e, lá
sim, a cabeça se abria no vácuo que o balanço criava em violento corte no
vento. Cabeça aberta, que até hoje não cessou viagem.
Talita, que lindo texto! Voltei aos meus tempos de criança, de "balançador", pois era assim que chamávamos o balanço da mangueira no fundo do quintal. E ele vinha...rs. Daniele Costa.
ResponderExcluir