Fotografia: TN, Niterói - RJ, março de 2012.
Na cerca
Só quem prendeu a roupa na
cerca, um dia, sabe a tensão que é fugir do perigo imaginado. Eram dois lados
do quadrado, que dava forma ao sítio, fechados por um muro baixinho e uma cerca
sobre o muro, e nos outros dois lados, apenas a cerca. Era exatamente nesses
lados, onde somente o arame farpado, preso às estacas de madeira, faziam
divisão de terreno, que morava a liberdade. A cerca nunca representou uma
muralha, um discurso de “não ultrapasse”. Afinal, se fosse pra representar
muralha, eram tijolos que ali estariam. Pelo contrário, a cerca era sinal de
mãos dadas com a boa vizinhança. Sempre havia um espaço por ali (e se não
tivesse, faríamos) para pularmos para o mundo dos vizinhos, sem precisar sair
por um portão e adentrar por outro. Era um dos meus portais preferidos.
Atravessar a cerca e dar de cara com outros cheiros, outros ares, outras
frutas, outros gostos. Os galhos seriam diferentes, logo as técnicas para subir
em árvores teriam que ser outras que não as usadas no nosso sítio.
Os cachorros, por mais que acostumados com os invasores, nunca perdiam a oportunidade de fazer alarde, com latidos estrondosos, como quem avista o inimigo encarnado em dois dinossauros de dentes maiores que eu. Na verdade, era só eu mesmo. Eles não entendiam, afinal, por que ela não entrava pelo portão, ora? Tinha mesmo que pular a cerca? Tinha. Para isso foram feitas as cercas: para pularmos pras terras amigas e, é claro, rasgar as roupas. Sim, sempre rasgavam (e sim, eu sei exatamente o que passou pela sua mente agora, leitor, a respeito do pular as cercas e rasgar as roupas, em outro tipo de brincadeira...). Então...ou ficavam presas nas farpas durante a passagem clandestina, ou simplesmente, rasgavam quando penduradas ali para secar ao sol.
Os cachorros, por mais que acostumados com os invasores, nunca perdiam a oportunidade de fazer alarde, com latidos estrondosos, como quem avista o inimigo encarnado em dois dinossauros de dentes maiores que eu. Na verdade, era só eu mesmo. Eles não entendiam, afinal, por que ela não entrava pelo portão, ora? Tinha mesmo que pular a cerca? Tinha. Para isso foram feitas as cercas: para pularmos pras terras amigas e, é claro, rasgar as roupas. Sim, sempre rasgavam (e sim, eu sei exatamente o que passou pela sua mente agora, leitor, a respeito do pular as cercas e rasgar as roupas, em outro tipo de brincadeira...). Então...ou ficavam presas nas farpas durante a passagem clandestina, ou simplesmente, rasgavam quando penduradas ali para secar ao sol.
Se as terras eram sempre
amigas, qual o porquê do perigo? E, se havia perigo, por que era ali na passagem
que morava a liberdade? Coisas de sítio...O perigo imaginado morava na ideia de
que cerca é divisão e portão é passagem. Não custava nada ir até o portão do
vizinho e gritar: “Oi de casa”. Por isso, o perigo era apenas imaginado. Todo
mundo queria pular a cerca pro terreno do vizinho, ninguém queria era ser visto
no ato de passagem. E a liberdade? A liberdade não era nada imaginada, era bem
real e desenhada no sorriso no rosto, justamente, no momento de enfrentar o tal
perigo. Pular a cerca, entre perigosos arames pontudos, enfrentando os cães
guardadores de vizinhos, pegar o fruto proibido e sair correndo, rasgando a
roupa, é claro, era o grande desafio. Nunca nos esquecíamos de trazer um
rasgãozinho de volta pra casa. A questão era: os cães não eram ferozes, o fruto
não era proibido. Era tudo imaginado... Era tudo permitido, mas a aventura inventada
tinha gosto de siriguela verde, e essas ficavam no fundo do sítio vizinho,
onde a aventura era mais gostosa ainda. Inventar o perigo e enfrentá-lo, meus
amigos, é coisa de gente valente, é coisa de criança ...de criança que morou em
sítio.