segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

UM LIVRO PARA NOVEMBRO

Retratos de dentro de mim - 2 
Emerson Bastos


Sabe aquele lugarzinho da cidade em que você sabe que pode encontrar uma grata surpresa? Aqui em Fortaleza, no Ceará, o Centro Dragão do Mar de arte e Cultura é um dos meus preferidos. E foi justamente lá que esbarrei com um poeta, com seu chapéu cheio de ideias, com seus livretos coloridos, cheios de vida, cheios de versos e amor. É inevitável: se abre o sorriso quando vejo que a poesia tá caminhando pela cidade, encantando... E foi assim, desse jeitinho, que eu comecei novembro bem acompanhada! A verdadeira poesia anda por aí! Sinta...

A coleção é composta de 3 livretos: amarelo, laranja e azul. Já vou por aí em busca dos meus.


Aperitivo:

s"ó"(L)

.eu me sentia só
então você chegou
e eu só me sinto soL

Contato do autor:
e-mail: emersonbastos85@hotmail.com



terça-feira, 4 de novembro de 2014

UM LIVRO PARA OUTUBRO



TODA POESIA 
Autor: Paulo Leminski 
Editora: Companhia das Letras

       Passei outubro mergulhada no laranja, no apaixonante livro TODA POESIA de Paulo Leminski.
      Não há como não se perder nos textos do poeta curitibano. Os textos breves, em sua maioria, brincam com as palavras em trocadilhos simples, que, de tão simples, nos fazem imergir em nós mesmos ou em algum lugar escondido e esquecido dentro de nós. O simples transforma-se no tudo, no essencial.     
     Confesso que poderia descrever Leminski, a partir da minha leitura, como um poeta do simples e do grosso. Sim, às vezes falta delicadeza nas palavras, mas é justamente essa grosseria da casca da laranja que nos faz enxergar o óbvio, aquilo que estava ali o tempo inteiro e ninguém viu. De vez em quando, a delicadeza surge e nos surpreende no meio do concretismo bagunçado, e é bem aí, no meio da bagunça, que nos encontramos.


                                                                                                Fotografia: Universidade de Fortaleza - Ceará.

Um aperitivo:


Dor elegante
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

A lua no cinema
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Por hoje...




                                                           Fotografia: Bom Retiro do Sul - RS, 2014


                A menina que nasceu por acaso, e por acaso nasceu grande parecia ter definhado o coração ou engrandecido a alma, não sei...a menina se fez adulta porque precisou sê-la.
                 Hoje a menina adolesce...não te preocupa menina, obedecer a ordem natural das coisas não é algo teu e nunca vai ser. Adolesça sem culpa, tua alma adolescente é uma flor que o mundo precisa ver...nasceste anciã, cuidaste de uma família inteira, alimentaste e afogaste sonhos teus e alheios, seguraste o mundo com as mãos e derrubaste a bandeja num estardalhaço só; faltou-te o balé  e  a força de gigantes pra segurar a bandeja. Viste o enterro dos teus...agora, adolesce a tua alma...e não ouse mais segurar bandeja alguma. Esse teu olhar de império é o teu desastre, porque parece que nasceste pra salvar a vida de alguém. Não vista a capa de heroína...não aceite as bandejas, não segure mais nada que te entregarem...simplesmente adolesça. 


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

UM LIVRO PARA SETEMBRO

A menina que não sabia ler (original: Florence and Giles)
Autor: John Harding - Editora: Leya

                 Depois de um sufoco trancada num quarto, estudando para uma prova e, por achar que sufoco é sempre pouco (mentira!), lancei-me no sufoco de A menina que não sabia ler. Numa leitura desesperada, trancada entre 282 páginas aceleradas, cinematográficas, asfixiantes... A menina não sabia ler, eu sabia ( o que dessa vez não me pareceu vantagem, juro) e me pareceu, nestes 4 dias desesperados, que o preço da leitura era a asma. Conclui a leitura ofegante e trêmula.  O enredo puro do livro não é lá grande coisa, nada inédito e improvável,  mas o desenrolar das páginas é fascinante. Por isso não tomarei meu tempo contando a história em três linhas, mas assegurando que A menina que não sabia ler é quase um lutador de esgrima te empurrando com a ponta da espada à beira de um lago gelado. O livro me deu alguns beliscões... é disso que eu tô falando,  de provocações,  de hematomas pós livro,  de incômodos,  de prender o dedo na última página pra não deixar a história acabar. Meio febril, meio trêmula,  com medo de observar longamente o espelho,  tive vontade de coisas nunca pensadas antes como: devorar Shakespeare, ter um cavalo,  ler Macbeth, passar uma semana sem eletricidade, conviver com as velas, contar a passagem do tempo pelos pios da coruja, fugir dos espelhos. Eu nem sei ao certo quais as impressões finais sobre este livro, e, diga-se de passagem, isto não é uma resenha. É apenas o primeiro suspiro de quem acabou de emergir de uma longo mergulho a prender o ar. Eu nem devia estar traçando estas linhas, porque, afinal, ninguém imagina que eu saiba ler ou escrever. As ordens de meu tio foram claras sobre eu não ser alfabetizada. Não contem nada para ele, por favor. Eu sequer conheço o caminho até a biblioteca e, se perguntarem por mim, estarei cá com meus bordados ao colo, estagnados,  num desenho nunca terminado, porque, caso não saibam (esse segredo é nosso), eu nem sei bordar.

P.s: John Harding, meu amor, deixe as crianças dormirem....


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Por hoje...

Desposse

Queridos nobreza, clero e burguesia
Quero ser uma desclassificada
Não enquadrada
Não tipificada
Nada

Quero ser a unicidade perdida na multidão
Desforme
Fora dos conformes
Feito torta que transborda a forma
Porque de tão doce não  cabe em contornos
Torta 
líquida 
Sem classe
Nem face
Sem cara pra dar à tapa
Sem heranças
Sem marcas

Não me peguem pelo braço
Que eu não quero entrar na roda nem seguir a fila
Não me enviem convites
Que eu não sou de honras
Não me deem cotas que eu não participo
Não encham suas bocas pra falar meu sobrenome
Que eu não sou de sangue
Não me chame pelo nome 
Que eu não escolhi

Não me chame
Simplesmente não me chame
Que eu não vou


sábado, 13 de setembro de 2014

Por hoje...

Olha, menina, é a hora...
Não deixe o vento bagunçar teus cabelos...
É hora de girar a roda, de movimentar, de fazer bagunça
É hora de ser vento!
Só tu não percebeste ainda que és filha de ventania...
Vai...


                                                                                                           Fotografia: Serra de Guaramiranga - Ce, 2013

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Por hoje...



Aprendi a boicotar os desejos
Fugir dos prazeres
A sangrar de vez em quando
Sentir a pele rasgando
Privar-me
Prender-me
Matar-me
Prender o ar
Desoxigenar-me
Sentir os nervos da face dilacerar
Apagar o sorriso
Fechar os olhos pro sol
Calar
Sucumbir
O espírito sôfrego inflama a morte
Pra me fazer cada vez mais viva
Cada vez mais pele
Cada vez mais flor



quinta-feira, 1 de maio de 2014

Das crônicas de quem morou em sítio



                                                                           Fotografia - TN - Eusébio- CE, 2007, quando ainda existia alguém pra gritar "Tulipa, vem ver o arco-íris"(Ah, Tulipa sou eu, haha, coisas de papai)!


No telhado

Perder um dente era sempre muito estranho. Não me lembro de ter sentido dor, ou constrangimento pela falta que fazia. Estranho mesmo era a festa que todo mundo armava. Todo mundo era comunicado pelos pais, com aquele sorriso no rosto, de que algo estava prestes a mudar por ali; tinha que mostrar a boca pra todo mundo, todo mundo queria arrancar o tal do dente, todo mundo achava lindo ele balançando na boca e, todo mundo sabe que é mentira. E quando se abria a janelinha, então... Mais festa. Querida fada do dente, o meu mundo fica longe, por estradas curvilíneas, escondidas na infância e, como sei que o acesso é uma aventura e tanto, digo que não se preocupe em passar por aqui, com tantos dentinhos por ai afora, à espera, embaixo de travesseiros cheios de esperança. Na verdade, a fada do dente não era nem mencionada na casa da menina de olhos ateus. Devo ter lido em algum livrinho ou visto em algum programinha da TV Cultura, deitada no chão da sala. Lá no sítio sem nome, a história era outra. Jogava os dentinhos de leite no telhado da Casa Grande, sem explicações e sem promessas futuras. Não esperava moedinhas em troca, nem ficava ansiosa a espera de fadinha nenhuma. O dentinho era jogado com todo entusiasmo pra cima do telhado, que, por sinal, era muito alto e havia toda uma preparação para isso. Querido telhado, meu dentinho não mais me pertence, quis sair pra dar uma volta. Bom, que as telhas da Casa Grande têm muita história pra contar, isso é certo. As telhas da cerâmica do vovô acobertaram aquela caixinha de vida, e com certeza, sabem muito mais do que eu mesma. O telhado repleto de dentinhos era, e é até hoje, o sorriso guardado das crianças que ali passaram. É só passar por lá e perceber que o telhado vermelho sorri um sorriso de leite, aquele que a gente tem guardado dentro de si, num cantinho cada vez mais esquecido. Hoje, com a boca cheia de novos dentes, lanço um sorriso pro passado, que me sorri meio torto, meio amarelo, meio de leite, meio de sítio... Nos dias de chuva, eu sei, a água lava os dentinhos das crianças e eles brilham mais...é como olhar pro céu e ver estrelas mortas, pulsando um brilho antigo, reflexo de um instante que não volta mais... apenas  sorri.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Notícia boa

A Universidade abraça novos talentos literários

O Jornal UNIFOR NOTÍCIAS nº 237, publicado neste mês de abril de 2014, trouxe uma simpática matéria sobre jovens escritoras,  "filhas" da Universidade.  A matéria,  além de valorizar o descobrimento e desenvolvimento na arte da escrita, vem também incentivar o mergulho no universo fabuloso da leitura. O texto revela um pouco do trabalho das jovens escritoras Emanuela Monte, Talita Nogueira (esta aprendiz que vos fala),  Marina Duarte e Priscila Baima. 
O referido Jornal é um veículo de comunicação que passeia pelo campus da Universidade de Fortaleza, no Ceará,  na versão impressa gratuitamente para alunos e comunidade, bem como na versão digital, podendo ser acessado em: Calameo ou Unifor Notícias. É só clicar!
Aos apaixonados pelo mundo da escrita e da leitura, um grande "Evoé" e, pra não perder o costume, um beijo e um versejo!



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Devaneio de quinta


                             Fotografia: fevereiro de 2014, Canoa Quebrada - CE.












                                 Hoje, como em dias frequentes em minha vida, tenho procurado exílio dentro de mim. Das multidões eu fujo como se corresse do fogo. Como um bichinho que tenta salvar-se do incêndio na floresta. O fogo arde e as bocas gritam num só coro, ou não. Sufocam-me os coros. Todos a uma mesma voz...me corroem os tímpanos; sim, os solos são necessários. Sufocam-se também as guerras. Todos juntos, em gritos distintos. Centros urbanos, horários marcados, corações cansados e ansiosos, de olho no relógio; olhares que não se encontram, são estranhos e não fazem a mínima questão de deixar de ser. Simplesmente correm a passos marcados e esbarros incômodos. Medo! Sufocam-me as multidões, enfim. Nem coro nem guerra, por favor. Deixo livres e em paz os espíritos. E só permito a proximidade extrema se for por um abraço. Exilar-me é mais difícil do que se pode pensar. Nem sei mesmo ao certo o que se passa por aqui, o que se passa por ai...Amo ouvir coros e as multidões me transmitem paz. É isso. Eu sei que é. Mas é que às vezes o mundo se multiplica e parece pequeno demais, pra mais do que nós dois. Acho que isso é saudade... Que tal dar uma trégua na ausência e marcarmos um encontro? Quem sabe um musical, um coro, ou um show de rock para pularmos entre a multidão...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Das crônicas de quem morou em sítio...


                                                   Fotografia: TN, Niterói - RJ, março de 2012.





                                                                                                                            Na cerca
Só quem prendeu a roupa na cerca, um dia, sabe a tensão que é fugir do perigo imaginado. Eram dois lados do quadrado, que dava forma ao sítio, fechados por um muro baixinho e uma cerca sobre o muro, e nos outros dois lados, apenas a cerca. Era exatamente nesses lados, onde somente o arame farpado, preso às estacas de madeira, faziam divisão de terreno, que morava a liberdade. A cerca nunca representou uma muralha, um discurso de “não ultrapasse”. Afinal, se fosse pra representar muralha, eram tijolos que ali estariam. Pelo contrário, a cerca era sinal de mãos dadas com a boa vizinhança. Sempre havia um espaço por ali (e se não tivesse, faríamos) para pularmos para o mundo dos vizinhos, sem precisar sair por um portão e adentrar por outro. Era um dos meus portais preferidos. Atravessar a cerca e dar de cara com outros cheiros, outros ares, outras frutas, outros gostos. Os galhos seriam diferentes, logo as técnicas para subir em árvores teriam que ser outras que não as usadas no nosso sítio. 
Os cachorros, por mais que acostumados com os invasores, nunca perdiam a oportunidade de fazer alarde, com latidos estrondosos, como quem avista o inimigo encarnado em dois dinossauros de dentes maiores que eu. Na verdade, era só eu mesmo. Eles não entendiam, afinal, por que ela não entrava pelo portão, ora? Tinha mesmo que pular a cerca? Tinha. Para isso foram feitas as cercas: para pularmos pras terras amigas e, é claro, rasgar as roupas. Sim, sempre rasgavam (e sim, eu sei exatamente o que passou pela sua mente agora, leitor, a respeito do pular as cercas e rasgar as roupas, em outro tipo de brincadeira...). Então...ou ficavam presas nas farpas durante a passagem clandestina, ou simplesmente, rasgavam quando penduradas ali para secar ao sol.
Se as terras eram sempre amigas, qual o porquê do perigo? E, se havia perigo, por que era ali na passagem que morava a liberdade? Coisas de sítio...O perigo imaginado morava na ideia de que cerca é divisão e portão é passagem. Não custava nada ir até o portão do vizinho e gritar: “Oi de casa”. Por isso, o perigo era apenas imaginado. Todo mundo queria pular a cerca pro terreno do vizinho, ninguém queria era ser visto no ato de passagem. E a liberdade? A liberdade não era nada imaginada, era bem real e desenhada no sorriso no rosto, justamente, no momento de enfrentar o tal perigo. Pular a cerca, entre perigosos arames pontudos, enfrentando os cães guardadores de vizinhos, pegar o fruto proibido e sair correndo, rasgando a roupa, é claro, era o grande desafio. Nunca nos esquecíamos de trazer um rasgãozinho de volta pra casa. A questão era: os cães não eram ferozes, o fruto não era proibido. Era tudo imaginado... Era tudo permitido, mas a aventura inventada tinha gosto de siriguela verde, e essas ficavam no fundo do sítio vizinho, onde a aventura era mais gostosa ainda. Inventar o perigo e enfrentá-lo, meus amigos, é coisa de gente valente, é coisa de criança ...de criança que morou em sítio.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014










A (i)legalidade gostosa de uma copiadora

Eu podia estar matando, roubando, vendendo armas, usando drogas, já dizia o pequeno vendedor de jujubas do ônibus. Eles podiam até estar copiando dinheiro. Mas não... eles só copiam livros. Quem se contenta em baixar livros na internet não se derrete ao sentir o cheiro de papel de um livrinho novo, velho ou mofado que seja. “Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização”, dizem as letrinhas pequenas do livro. Mas a copiadora da esquina tá fazendo promoção! São tantas letrinhas por tão pouco. Tantas histórias pelos centavos criminosos do estudante de mochila nas costas, delinquente, intelectual e orgulhoso de suas façanhas, é claro. Ora, dez páginas de um livro saem mais baratas do que aquele pacotinho de jujuba e tão gostosas quanto. A copiadora da esquina da Universidade está sempre lotada de infratores. Chegam de mochilas vazias e voltam com um grande peso nas costas e um ar de descobridores de petróleo entre os dentes. Páginas quentes saem felizes da pequena máquina de copiar... e de lá, corre o estudante, o deliquente, a iluminar  suas folhas com marca texto amarelo. Eis uma das facetas do iluminismo pós-moderno.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Das crônicas de que morou em sítio...

Fotografia: André Maia - Porto Alegre - RS, julho de 2010.
                
                                                                                No balanço...

Debaixo da mangueira, à espera da felicidade desenhada em pneu e corda, papai constrói um balanço pra mim. Se cair uma manga na tua cabeça? Eu como, ué... A corda grande e o balanço baixo faziam um voo nas alturas, dava pra colher manga a cada empurrão. Impulso, impulso, impulso até a hora de saltar. O salto não tinha graça nenhuma e até doía, sabe? O bom mesmo eram os instantes de tensão e medo. É bom sentir medo. Sempre foi. A consciência de que o que tava fazendo não fazia sentido algum, ia resultar numa possível queda, e uma linda tatuagem nos joelhos e uma dorzinha no tornozelo, quem sabe, não me impediam de ter os meus deliciosos instantes de medo pré-salto.  Ventava forte dentro da barriga. Os cabelos, se molhados de tinta azul, fariam uma linda parábola no ar. Eu sabia que era pra isso, exatamente pra isso, que foram feitos os pneus. Pneus nunca combinavam com carros, na cabeça daquela menina tonta, que ficava sempre tonta ao viajar quinze minutos de carro. É...os pneus foram feitos pra fazer balanço, ventania na barriga. 
A agonia de viajar de carro estava em saber pra onde ia. A certeza do destino e a certeza do tempo de chegada me faziam esquecer o caminho e ficar enjoada de tantas certezas. No balanço não...no balanço, a cada impulso se podia mudar o rumo, viajar pra outros sóis,  e o caminho era delicioso, sem hora pra chegar. E se eu nem quisesse chegar, era só saltar e com uma dorzinha de leve, chegar ao chão com a certeza de que eu queria mesmo era viajar, não era chegar a lugar nenhum. Se via um pneu na rua, ficava imaginando um balanço bêbado embaixo de uma mangueira qualquer. Um carro eram quatro balanços, quatro sorrisos, quatro medos, quatro saltos, quatro viagens a lugar nenhum. Não tinha acúmulo de água no pneu, nem mosquito dodói, nem nada...tinha felicidade desenhada em pneu e corda. 
De vez em quando, o pneu estava ao chão e a corda havia sumido. Ela acabava voltando e abraçando mais uma vez a árvore. Alguém, supostamente, teria precisado da corda. Isso eu nunca entendia. O que poderia ser mais importante do que o balanço na árvore? Nesses dias, eu era forçada a procurar outros medos. Subir na árvore, quem sabe, pra procurar a manga mais cheirosa. Isso, era esse o cheiro do balanço....cheiro de manga rosa. Embaixo da mangueira também podia apenas sentar no chão, desenhar na areia, fugir das formigas. E, nessa fuga, eu percebia que além de cheiro, o balanço também tinha um som, era o barulhinho de folhas secas no chão, amontoadas pra isso, pra fazer barulhos a cada impulso dos pezinhos no chão. “Menina, tu já tá grande demais pra esse balanço. Essa menina não cresce mesmo”. “Tô nada! A mangueira é mais velha do que eu e tá ai, no maior balanço estático comigo. Nunca fui de riscar troncos de árvores. Se acaso forem visitar  a minha mangueira, não perceberão que passei por lá, a não ser que façam bastante silêncio e possam ouvir a revolução que era o barulho do balanço, uma verdadeira festa, em folhas secas, em vento cortado por um grande impulso no ar e um grito de mãe, quando no flagra de um voo audacioso, reclamava: “Menina, pelo amor de deus, cuidado pra não cair e bater a cabeça”. De todas as quedas, nunca bati a cabeça. Não que eu lembre. Aliás, já disse que não me importava o salto, importava mesmo o caminho e, lá sim, a cabeça se abria no vácuo que o balanço criava em violento corte no vento. Cabeça aberta, que até hoje não cessou viagem.