sexta-feira, 29 de maio de 2015

UM LIVRO PARA ABRIL

Leite Derramado
– Chico Buarque de Holanda
Editora Companhia das Letras, 2008

                                                                                                           Praça dos Mártires - Fortaleza -Ceará.



Antes de iniciar a leitura do livro laranja, foi inevitável contaminar-me do conflito de amor e ódio que me envolvo sempre que se trata de ler Chico na forma de romance. É por amar tanto o poeta que se torna uma verdadeira frustração procurá-lo em seus romances desconexos. Não o encontro. Nunca. É outro Chico.

Leite Derramado é mais do que o próprio título sugere: é lamúria, nostalgia, choro e arrependimento. É saudade, mágoa, ausências, solidões acumuladas. É vida que corre a galope. São voos sem despedidas.  É abandono e decadência. É acúmulo. É vida derramada. É morte.

A obra é uma narrativa lenta, idosa, cansada, confusa e amarga. Num leito de hospital, as memórias vão sendo compartilhadas para a enfermeira, para a filha, para quem tiver por perto, pra nós. É um peso que precisa ser dividido.


Derrama-se um passado centenário...e nesse leite tem amor, tem exagero e ciúmes, tem conquista e desejo, tem orgulho, perdas e pedras, tem vida, homem e peito.  Tem barco, praia e mulher. Tem preconceito, segregação, racismo e oportunismo. Tem Brasil e tem Chico. Tem vida.


A leitura se arrasta de muleta e voz cansada, mas a gente se acostuma. É começar o livro com a impaciência de um neto para assuntos de oligarquia e posses e remédios... e amadurecer, engrandecer-se, até colocar-se nos olhos serenos e pacientes que uma enfermeira de uma lar de idosos deve ter. E ouvir, deixar repetir, sorrir, compadecer, não duvidar e jamais ousar pensar que aquela dor não foi tão severa assim, que aquele amor não foi tão intenso, que aquele grito não tem razão de existir e que não há tempo e espaço para lamento. É ler e deixar derramar, até, por fim, perceber que é tudo tanto...é tanto sentir...


Trechinhos para degustar:

“ Se amanhã eu morrer envenenado, todos aqui hão de me ver nessa televisão que não desligam nunca. Esta pocilga será interditada pela vigilância sanitária, e voltarei para puxar seus pés, e vocês vão dormir na rua.”

“Que fique entre nós dois, mas ultimamente ando muito agitado, com certeza estão trocando meus remédios. Não duvido que ponham arsênico na minha comida, e se o pior me acontecer, não perca por esperar, os jornais cuidarão de dar notícia.”

“Pouco importa que entrem meliantes pela minha casa, e mendigos e aleijados e leprosos e drogados  e malucos, contanto que me deixem dormir até mais tarde. Porque todo dia é isso, acordo com o sol na cara, a televisão aos berros, e já compreendi que não estou em Copacabana, foi-se o chalé há mais de meio século. Estou neste hospital infecto, e aí não vai intenção de ofender os presentes.”

“E corava pouco a pouco até ficar bem vermelha, como se em dez minutos passasse por seu rosto uma tarde de sol.”
“A um palmo de distância dela, eu era o maior homem do mundo, eu era o sol.”


p.s: Te odeio, Chico.
p.s .2 : Mentiraaaaaa

"Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor
e dou risada do grande amor....mentira..."

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